E o genocídio de Israel na Palestina continua, com conivência dos donos do mundo! E eles ainda tem a ousadia de falar que se trata de uma guerra de civilização contra o terrorismo, contra a barbárie. A grande maioria da humanidade não tem conseguido impedir tal atrocidade contra famílias, crianças e idosos palestinos que simplesmente querem viver e deixar viver. No momento, são eles que estão no alvo das bombas. Mas, nunca podemos esquecer que tal ameaça paira como uma condenação sobe as grandes maiorias do mundo, em sua vibrante e vital diversidade de povos, culturas e territórios. O sistema dominante no mundo se fez pela colonização e se perpetua pela subjugação, discriminação, exploração e morte a serviço de poucos. Até quando?
Sem dúvida, um sentimento de impotência toma conta em conjunturas como esta. Não que a violência com assassinatos não seja a regra de qualquer dominação. Mas os seus momentos de implosão militar devastadora sobre um povo inteiro e, ainda mais justificada como “legítima defesa”, extrapolam qualquer princípio de convivência, cuidado e compartilhamento da vida e do planeta entre todos os povos. A indignação e as gigantescas demonstrações de solidariedade ao povo palestino nas ruas das principais metrópoles do mundo parecem clamores de desesperados diante da lógica implacável de guerra de extermínio promovida pelo colonialismo de Israel, com apoio incondicional de EUA e seus aliados.
É difícil a gente não se sentir abalada, perder o rumo e, até, duvidar da possibilidade da humanidade construir outro mundo, sentimento compartilhado por grandes maiorias, em sua vibrante diversidade de culturas e povos. Não desistir e continuar buscando caminhos é um imperativo ético para ativistas por direitos de igualdade entre todas e todos, nesta conjuntura em que os donos do mundo demonstram não ter nenhuma consideração ética ou humana, no uso da força do extermínio para manter seus privilégios, interesses e domínio sobre o destino da humanidade e do planeta.
Não dá para ignorar o que está acontecendo e nem podemos nos acomodar, pois o genocídio tem muitas faces em sua manifestação de lógica destrutiva contra os “outros”. Está no meio de nós também, sob outras formas, mas igualmente seletiva e assassina, sobre povos indígenas e tradicionais, as maiorias negras, especialmente jovens, as grandes periferias pobres urbanas e rurais. As nossas estatísticas de assassinatos o demonstram no dia a dia, como uma espécie de guerra larval. Claro, o impacto dos bombardeios sistemáticos sobre população civil confinada numa prisão a céu aberto, com destruição de tudo, sem água e sem comida, é simplesmente aterrador.
Num contexto assim, como renovar a imaginação transformadora e continuar buscando? Talvez uma grande questão que precisamos nos fazer como cidadanias ativas – em busca de sentidos e rumos democráticos, transformadores, de justiça e direitos ecossocial iguais – é nos perguntar a nós mesmos que Brasil o mundo precisa? Qual é a nossa parcela de responsabilidade e como podemos contribuir para outro mundo? Fazendo a nossa parte já seria louvável, mas ainda assim insuficiente. Como país, de qualquer ponto de vista, dado o tamanho do território, da população e da nossa economia, temos enorme responsabilidade.
Vamos em partes. Por exemplo, só a emblemática questão da demarcação de territórios dos Povos Indígenas é em si expressão de um colonialismo internalizado devastador, que tem por trás um genocídio – ou tem outro nome? – longo de mais de cinco séculos. Até quando? Mas temos também a questão dos territórios quilombolas e do racismo estrutural, vigoroso e potente até hoje. E como definir as cidades partidas com o confinamento de populações “periféricas”, também sem água, saneamento, comida escassa, falta de hospitais, escolas com crianças sob o risco de balas em meio a guerras larvais, em territórios degradados e habitações e serviços precários, sob controle do crime organizado? Eufemismos conceituais não servem para esconder uma forma de genocídio normalizada e contínua. Como toleramos isto? A isto vale a pena acrescentar a combinação o agronegócio para exportação, conquistador e desmatador, constantemente flagrado com trabalhadores submetidos a algo análogo à escravidão. Pior de tudo é que na busca de lucro sem limites nossa agricultura dominante, com grandes rebanhos e colheitas, nem é capaz de saciar a fome de milhões de brasileiros. São os nossos crimes contra a humanidade e planeta, que ainda são negados por amplos setores no interior da sociedade brasileira e que alimentam opções fascistas na política interna e internacional. A isto cabe acrescentar o extrativismo petroleiro e mineral, que agride territórios das mais diversas formas, deixando destruição para a população local.
Poderíamos considerar também a região de que somos parte, com suas potencialidades e mazelas. Que solidariedade praticamos neste campo? Muitas vezes já pensei se não estamos de costas para a região, priorizando atenção a questões nas esferas centrais do poder no mundo. E aí nos deparamos com mais uma exorbitância a ameaçar o vibrante povo da vizinha Argentina, que passou por aquele extermínio durante a ditadura militar. Como vamos lidar com a ameaça que o fascismo extremado de Milei e a desconstrução democrática que vai empreender na Argentina e para a região e o mundo? Vamos dar as costas, já que não é aqui? Como ficam projetos potencialmente virtuosos como UNASUL e o integrador Mercosul? O excêntrico Milei, como Bolsonaro, não são problemas confinados a fronteiras nacionais, em se tratando de democracias e cidadanias.
Sem dúvida, temos virtudes no seio da sociedade civil, muitas até. Considero a experiência brasileira de cidadanias ativas algo fundamental. Trata-se de uma vibrante multidiversidade de identidades e vozes, movimentos e ações, especialmente nos territórios, como venho lembrando ao longo das postagens no blog. Mas nos faltam processos de convergência para impactar a esfera política do poder estatal e, através dele, realizar as mudanças necessárias nas relações e estruturas de uma economia predominantemente de costas para a maior parte da população brasileira. E tenhamos claro, isto é condição para ajudar a construir outros mundos!
Enfim, já fomos capazes de criar algo como o Fórum Social Mundial, tendo uma certa expressão das nascentes cidadanias mundiais na arena internacional, na primeira década do século XXI. Mas não soubemos nos reinventar diante de novos desafios e, sobretudo, recusamos ter um FSM com protagonismo, o que o vem tornando irrelevante politicamente. Participamos, sem dúvida, de muitas coalizões e redes de movimentos e organizações com atuação regional e mundial. Mas, novamente, segmentados por agendas específicas. O todo nos foge das mãos ou, talvez, nem ambicionamos incomodá-lo. Lamentavelmente, temos que reconhecer que os donos do mundo não se sentem atingidos em nada.
Desistir não dá! Mas é em tal situação que nos encontramos. Apesar de que o risco do fascismo à brasileira nos levou a um certo engajamento na eleição do Lula, criamos um Parlamento que é mais uma expressão do atraso ao gosto dos donos de gado e gente. Ou seja, as cidadanias ativas estão longe de conseguir fazer valer uma agenda política no Brasil de transformação democrática ecossocial. Esta é uma tarefa sobretudo nossa, do ativismo cidadão brasileiro, fazendo uma articulação virtuosa da potente diversidade de vozes e situações que enfrentamos, expressas num projeto comum. Precisamos , sim, de partidos, mas não que nos dão as costas nos intervalos eleitorais. Democracia precisa de eleições, mas muito mais de cidadanias ativas. Parece que nossos partidos de esquerda esquecem disto.
Não temo em reafirmar que só com hegemonia democrática ecossocial na sociedade civil que nossos princípios, valores, concepções e propostas podem nos levar a enfrentar as nossas mazelas no Brasile ser uma importante contribuição para a humanidade inteira.
Por onde começar? Ouso dizer que precisamos superar a desmobilização atual, como se estivesses cansados e sem perspectivas. Volto a dizer, ganhamos uma eleição para a presidência, mas não conquistamos hegemonia política na batalha dos princípios, valores e ideias de outro Brasil para Outro Mundo. O que estamos esperando? Que outras grandes ameaças aconteçam para reagir? Ameaças de todo tipo continuam a acontecer, combinando as mazelas sociais com a severidade da mudança climática, que já está demonstrando o que significa. Estamos esperando que Lula e seus ministros nos surpreendam com algo bombástico? Se há um desempate a ser feito ele deve acontecer no chão da sociedade. É na potência organizada da diversidade de identidade e vozes com suas propostas que está o segredo de processos transformadores.